sexta-feira, 3 de abril de 2009

Os núcleos de base

Muito se falou aqui sobre como os movimentos sociais historicamente se hierarquizaram e verticalizaram; de como, num dado momento de consolidação (em alguns momentos da história, tal atitude até foi necessária para que tais movimentos não deixassem de existir) e especialmente em como, sob nosso ponto de vista, tal verticalização e hierarquização é uma das doenças a serem combatidas nos movimentos sociais a fim de devolver a esses movimentos a capacidade de reinventar e modificar a sociedade. Mas agora mostraremos o caminho das pedras: deixemos o poder das palavras vazias de lado e nos atenhamos àquelas com que possamos construir nosso caminho. Explicaremos detalhadamente agora a história dos movimentos sociais até então, passaremos à explicação do que são os núcleos de base e então chegaremos ao porque não podemos abrir mão deles para construirmos um movimento legítimo que, de fato, canalize as insatisfações sociais do povo brasileiro. O primeiro passo para mudar o mundo? Não tenha preguiça de ler!

Primeiramente, é importante esclarecer que pressão social não é o mesmo que movimento social atuante. Se fosse, creditaríamos eventos históricos como as Reformas Protestantes, as revoluções burguesas, os levantes estudantis alemães do século XIX à presença de movimentos sociais atuantes na sociedade, e não o são. As pressões sociais são movimentos espontâneos de uma sociedade que fazem convergir os interesses de diversos setores dessa sociedade. Elas surgem para pleitear uma demanda e, uma vez atingida, a pressão social tende a se dissolver, ao contrário dos movimentos sociais. Para os movimentos sociais verdadeiros, as demandas de uma sociedade (ou de um setor dessa sociedade) nunca cessam, sendo necessária uma constante pressão social para que essas demandas sejam atendidas sucessivamente. Vamos dar exemplos.

Comparemos, por exemplo, a pressão social feita pelo movimento Fora Collor! e o movimento estudantil como um todo. Em “condições normais de pressão e temperatura”, isto é, se desconsiderarmos a majestosa influência partidária que se fez sentir no evento do Fora Collor!, tal evento não foi um movimento social. Vários setores desorganizados da sociedade brasileira sentiram-se representados e agraciados por aqueles que se manifestavam nas ruas. Milhões de brasileiros sem vínculo algum com movimentos sociais atenderam ao chamado desses movimentos para sair de preto nas ruas, não porque acreditavam nas doutrinas daqueles partidos ou eram filiados àqueles sindicatos, militantes daqueles movimentos, etc., mas porque estavam, de fato, indignados com a postura do presidente e não estavam mais dispostos a tolerá-la.

Depois daquele episódio, provavelmente muitas pessoas não aderiram a partidos, passaram a contribuir com seus sindicatos, passaram a ir a assembléias, ou coisas do tipo. As pressões sociais têm essa característica de serem uma espécie de catarse social passageira. As pessoas não se tornaram mais politizadas por participarem do movimento Fora Collor!, era um momento especial em que diversos ingredientes se juntaram no Brasil e discutir política passou a não parecer mais tão chato.

Agora analisemos o movimento estudantil. Sempre reconhecidos como uma classe vanguardista, os estudantes se posicionaram de fato dessa forma (não se os olharmos com os olhos de hoje, claro, mas com os da época). O movimento estudantil surge nas universidades europeias do século XIX, com um mote majoritariamente liberal. No Brasil, a primeira vez que os estudantes se organizam como classe foi à época da fundação da União Nacional dos Estudantes – a UNE – em 1925. Até hoje permanece como a maior entidade representativa dos estudantes do Brasil. E reside aí a principal diferença entre pressão social e movimento social: mais que a capacidade de organização, é a garantia de que não será algo efêmero, passageiro. Falando assim parece um elogio à UNE, né? Então voltemos ao Fora Collor!

Lembra do cidadão comum que tomamos como exemplo? Aquele que foi às ruas de preto, que compartilhou daquele sentimento de asco quando soube das denúncias de corrupção e também do sentimento de vitória quando Collor foi tirado do cargo mesmo não sendo militante aguerrido de nenhum movimento social? É possível que ele tenha tido a poupança bloqueada pelo governo Collor, ou algum familiar dele pode ter perdido economias de uma vida com tal política. Mas eram milhões de pessoas nas ruas e, até onde os números e os estudos mostram, não era possível serem apenas os afetados pelas políticas de Collor. Porque, num simples exemplo, nos foi impossível chamar de volta essas pessoas às ruas em 2005, na crise do mensalão, quando a onda de indignação era exatamente a mesma?

A resposta, tal qual a pergunta, é simples. Eles não ficaram nos movimentos sociais porque não há políticas de inclusão nesses movimentos sociais. É interessantíssimo às pessoas que estão nos sindicatos, associações, uniões estudantis, fóruns deliberativos e quaisquer que sejam os nomes que se dão a esses movimentos, que as pessoas comuns só participem no momento de fazer a tal pressão social. Alguém já viu essa lógica em algum lugar?

Isso é o que comumente chamamos de formação de massas de manobra. É extremamente conveniente para as cúpulas dos movimentos sociais não ter essas pessoas fazendo parte permanentemente de seus quadros, assim não há, de fato, espaço para se questionar a forma como se dão as coisas no seu interior (e repetimos a pergunta: alguém já viu essa lógica em algum lugar?).

Bom, é aí que se posiciona o MCI. Tal prática só se repetirá nos movimentos sociais enquanto os movimentos sociais quiserem repetir uma lógica que não lhes é própria: o de evitar e inibir a participação. E essa lógica de evitar a participação nós conhecemos bem de onde vem.

Partido quer dizer parte. Num parlamento, numa assembleia, um conjunto de partes forma um todo. Mas e quando cada parte quer ter seu próprio movimento social, como uma carta na manga, pra ser utilizado em momentos difíceis? Nada mais acontece. Quando falha a via institucional, aí os partidos recorrem ao povo, criando a pressão social (isso quando eles conseguem, tamanho é o descrédito hoje em dia). Nós, do MCI, queremos sim tomar parte, mas uma parte só: estamos do lado da sociedade civil. Não pare de ler, garot@!

Pra estar do lado da sociedade civil, temos que representar seus segmentos, não controlá-los. E, por sua vez, sermos agentes de nossa própria história, não relegando nosso destino nas mãos de grupelhos que se consideram iluminados para tal função. Somos capazes, doutores. O povo é capaz.

Enfim, nesse momento você deve se perguntar como vamos fazê-lo. E a resposta, embora não seja exatamente uma inovação, é bastante atual: formando núcleos de base. Os núcleos de base são pequenas células básicas do MCI, formados por poucos membros e que se destina a discutir todo e qualquer assunto que afete coletivamente aquela comunidade ou a sociedade como um todo. Os núcleos possibilitam, por serem pequenos, uma discussão ampla e profunda; permitem, por não serem representativos, uma participação direta e, mais do que qualquer outro movimento já existente, os núcleos do MCI permitem um verdadeiro movimento de base e uma capilarização desse movimento. E você, que chegou ATÉ aqui, ainda tem dúvidas disso?

Sem os núcleos, o MCI não existe; mas sem a cúpula, sim. O sistema de decisões a nível macro é representativo, mas não nos moldes tradicionais. Cada núcleo tem seu representante, o que inibe a preponderância do núcleo da Asa Sul sobre o núcleo da Ceilândia. Perceberam a importância dos núcleos de base?

Já ultrapassamos o limite do aceitável, e acredito que até quem possa ter se interessado está cansado de ler. Mas deixemos claro novamente uma coisa: àqueles que se incomodaram com nossa análise do passado, comunique-nos. Àqueles que têm dúvidas, pergunte-nos. E especialmente àqueles que viram possíveis falhas futuras em nosso movimento, a esses fazemos um apelo especial: junte-se a nós. Sua dúvida, sua crítica, seu diálogo e até sua desesperança pode servir de adubo para que encontremos uma solução.

Num próximo post: como montar seu núcleo de base. Até lá!

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