quarta-feira, 17 de junho de 2009

Conflitos na USP

Olá, pessoal.

Já faz tempo. Hoje escrevo como estudante da USP, contribuindo com meu depoimento para que essa discussão prossiga. Desde já, peço desculpas, para o caso de não me fazer de todo compreendido. Não sei se meus argumentos são bons ou ruins, ou se tenho bom senso ao proferi-los, e, francamente, isso é irrelevante. Para começar, não se definem argumentos como bons ou ruins, e não se julgam pessoas usando como justificativa o bom senso que, achamos, temos e alguém não tem. Existem argumentos, existe o convencimento, e a dicotomia e o etnocentrismo irrefreado não têm lugar aqui. E, na minha opinião, é justamente por isso que a USP está em greve, assiste a piquetes, a confrontos armados, a conflitos latentes em suas próprias entranhas.

Os funcionários da Universidade entraram em greve. O movimento foi legítimo, válido, e contempla o direito a todos assegurado por nossa Carta Magna há quase 21 anos. Os estudantes também possuíam suas críticas e exigências, relativas a uma ampla série de objetos. Meu objetivo aqui não é discutir as pautas de reivindicações, mas sim a maneira como essas pautas têm sido reivindicadas.

No dia 9 de junho, a Força Tática da Polícia Militar do Estado de São Paulo entrou em confronto com estudantes, funcionários e docentes da USP. Algumas pessoas foram detidas, várias foram feridas, e todas ficaram chocadas. A Universidade é um ambiente incompatível com a violência (embora TODOS os ambientes sejam incompatíveis com a violência, coisa que muitos esqueceram enquanto repudiavam odiosamente a presença da PM), e os eventos daquela terça-feira cinzenta transformaram a greve numa situação muito mais delicada, muito mais complexa, muito mais difícil. Analisemos, pois, o cenário político, frente a frente.

A postura da Reitoria em meio a essa situação é... lamentável. A reitora não parece possuir a sensibilidade inerente ao cargo que ocupa, em termos políticos. É necessário virtù, tanto quanto fortuna. Em meio a piquetes, protestos, gritos e palavras de ordem agressivas e arrogantes, não se devolve na mesma moeda, simplesmente porque isso é ingenuidade. Todo um legado de conhecimento político e diplomático tem sido incansavelmente ignorado, e isso incansavelmente torna a reitora uma figura criticada e odiada pela comunidade (da USP).

O governador do Estado de São Paulo, sim, ignora seu passado como estudante, como lutador em busca da liberdade... mas, noutros argumentos, ele (pensa que) age de maneira astuta e virtuosa: doa a quem doer, a opinião pública (de fora da USP) o verá como o herói que salvou o mundo dos baderneiros malvados. Ora, poupe-me. O governador administra a situação na Universidade sem um mínimo de habilidade, assim como a reitora: manda uns soldados, eles estouram umas bombas, alguns gritos aqui e ali, e tudo fica bem. O Governo do Estado não tem demonstrado capacidade de negociação, autoridade e maturidade, quando se trata de negociar com manifestantes.

Estes últimos não sabem o que fazem. Perdem-se em gritos e palavras padronizadas (Fora PM do Câmpus, Fora Reitora, Fora Governador), atitudes que teriam sido revolucionárias há 40 anos. Os estudantes ora se mostram irresponsáveis, ora se mostram deveras preocupados com sua carreira (política). Muitos dos funcionários recorrem a maneiras radicalmente antidemocráticas de manifestação, sob prerrogativas duvidosas e argumentos falhos, e alguns docentes entram na dança.

Mas os grandes conflitos entranham-se nos grupos e permanecem latentes, eventualmente transbordando em piquetes e confrontos com a PM. A Universidade está dividida entre os pró-greve e os outros. São muitas discordâncias, muitas brigas. E aqui assumo uma posição, em meio a isso.

Os manifestantes reacionários (sim, exatamente) têm direito à greve, a protestos, à liberdade de opinião e de expressão, mas nem por isso podem impedir aqueles (tão livres quanto estes) que não se identificam com a pauta de reivindicações, ou simplesmente com o meio pelo qual tais reivindicações são manifestadas, de frequentarem aulas ou adentrarem o ambiente de trabalho. Piquetes, "cadeiraço", fechamento dos portões da Cidade Universitária... todo um aparato coercitivo é colocado em ação para que aqueles, cuja opinião não concorde com a dos grevistas, sejam forçados a discutir, forçados a pensar como estes, forçados a se juntarem às manifestações... acontece que ninguém acaba sendo forçado, pois o efeito natural e imediato do piquete é muito simples: quem não concorda, vai embora. Só se pode concluir que os manifestantes (que lutam por democracia) não são democráticos.

Temos então que o movimento sindical e o estudantil, na Universidade, são, sim, reacionários, e não os contrários (como eu) à maneira como as reivindicações têm sido conduzidas. O que vem a ser uma pessoa 'reacionária'? É aquela que se manifesta integralmente contrária às ideias de transformação da sociedade (segundo o Dicionário Escolar da Academia Brasileira de Letras). O mundo se transformou. Há 40 anos, os meios eficazes para a mobilização eram os piquetes, os "cadeiraços", os manifestos pichados nas paredes, os grandes cartazes curtos e grossos... eram tempos em que não havia liberdade. A forma eficaz para atacar um sistema ditatorial que atacava com força e opressão era, certamente, força e impulso no sentido contrário. Mas hoje, não. Hoje, há liberdade de expressão e de comportamento. Hoje, as pessoas são livres para entrar em greve (e também para não entrar). Agir com violência é ignorar décadas de luta durante o regime militar, durante as últimas dezenas de décadas. Agir com violência é ignorar os direitos humanos, a diplomacia, o valor da discussão calcada em argumentos racionais. Agir com violência na luta por democracia é agir com incoerência e hipocrisia.

As pessoas que não aderiram à greve têm seus motivos para tal, e não vão aderir a esse movimento enquanto forem alvo de atitudes violentas. Elas podem, sim, aderir à greve, se convencidas a tal. Não se convence uma pessoa a agir de determinada forma na base da porrada, da proibição, da instituição de um poder que decide por ela se é permitido assistir a uma aula ou comparecer ao expediente do dia. É preciso habilidade, compreensão mútua, tolerância, argumentação racional, negociação. E é por isso que não concordo com o movimento pró-greve da USP: eles não têm demonstrado saber o que fazem para conquistar seus objetivos (novamente, afirmo: aqui não discuto os fins, mas sim os meios. Não sou contrário à pauta de reivindicações do Sindicato dos Trabalhadores da USP, mas sim à sua política de não saber fazer política).

O que não me faz favorável à postura assumida pela Reitoria ou pelo Governo do Estado. A reitora se mostrou inapta a negociar, o que necessariamente nos faz refletir o que ela espera de seu próprio legado. Liderança, hoje, não é liderar um grupo radical que vence com base na força, mas sim um grupo que vence com base no convencimento de seus adversários, na formação de alianças e vínculos positivos entre diferentes grupos de interesse, pois isso é diplomacia, e a diplomacia é a forma adequada de se fazer política em tempos de liberdade (não, não adianta gritar que a revolução proletária é hoje e que a tirania da maioria é a forma boa de se governar, pois isso não é mais uma possibilidade). E o que a reitora tem feito é meramente liderar um grupo radical, formado por uns poucos apoiadores, que veem a atuação violenta da PM como solução para seus probleminhas.

O que fazer em meio a dois polos radicais, que se recusam a negociar de maneira racional, e colocam em risco a segurança de toda a comunidade da USP, a todo o tempo? Fugir? Essa tem sido a atitude da maioria omissa, e isso deve ser mudado. Ora, eu tenho sido omisso até poucos dias atrás, e quero ver a Universidade como um ambiente propício ao livre pensamento, à livre expressão do conhecimento, e que de fato essa liberdade seja exercida sem poréns. Conclamo a maioria omissa a sair do armário (parafraseando Dawkins e sua turma) e lutar pelo direito de todos sermos livres e exercermos nossos direitos estabelecidos em sua plenitude. Nem o movimento estudantil e sindical e nem a Reitoria podem nos sujeitar a um toque de recolher implacável.

Agora, para que se solucione a greve, alguém tem que ceder. Que sejam ambos os lados, de preferência, e aqui estaremos para auxiliar e garantir, sempre, a prevalência da liberdade e da democracia, seja na Universidade, seja no País, seja em todas as Nações.

Não há fórmula mágica para a democracia. O que há é a conscientização, a cidadania inclusiva, e é a partir da atuação palpável dos núcleos de base (já tratados neste blog) que isso é possível. Só a sociedade civil organizada, independentemente de suas instituições políticas e coercitivas, pode realizar as transformações de que tanto precisa. Seja feito isso na USP e em todos os cantos onde houver pessoas.

Mudando o recorte... já passou da hora de revermos as estruturas da vanguarda do movimento estudantil que "nos representa". Fica a dica.
Este texto foi enviado por Samuel Ralize de Godoy, estudante de Graduação em Ciências Sociais na FFLCH-USP. Aguardamos sua contribuição para este debate! Envie seus textos, seus argumentos, suas reflexões, vamos transformar a realidade agora mesmo! cidadaniainclusiva@gmail.com

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Ocupação da USP.

Hoje não escreverei em nome do movimento. Assinarei o texto, inclusive, demonstrando que tudo o que disser aqui é pensamento e responsabilidade minha. Meu nome é Alexandre Branco Pereira.

Acompanho chocado os fatos que se desenrolam com os companheiros da USP. Pra começo de conversa, lidamos com uma instituição de ensino que parece ainda herdar as velhas manias dos reitores da época da ditadura. A USP recorrentemente tem aparecido na grande mídia e na mídia independente pelas atitudes antidemocráticas que tem tomado, como expulsão de alunos por motivos políticos e repressão a movimentos sociais do interior da universidade. Mas nada se compara ao recente acontecimento.

Segundo relatos feitos à mim, os companheiros de luta da USP, dessa vez, estavam revoltados com a demissão de um líder sindical dos servidores. Estudantes, combativos e rebeldes, acabaram tomando suas dores. E assim deu-se uma ligeira ocupação da reitoria, barricadas, piquetes e uma série de manifestações em nome de uma causa que, convenhamos, não é das mais importantes. A falta de um dos líderes não acaba com o movimento dos colegas servidores, importantíssimos dentro do processo de luta na comunidade universitária, podendo até ser chamado de injustiça a mobilização de duas categorias inteiras em torno de um só nome.

Mas os recentes acontecimentos apagam essa falta de razão dos estudantes e servidores. Nada pode servir de desculpa para a maneira como a reitoria da USP agiu. Sua reitora, comprovadamente em outras ocasiões antidemocrática, chamou a Polícia Militar (isso mesmo, o braço armado do Estado, conhecido pela sua forma violenta de repressão) para ocupar o campus da universidade. O que, por si só, poderia ser um ato comparavel a 1968 na UnB, ou as diversas outras ocupações de campus universitários pelo aparato militar durante a ditadura, foi agravado quando, durante uma manifestação que relatam ter sido COMPLETAMENTE PACÍFICA, a reitora encomendou ao governador José Serra o Choque da PM.

Já sabemos que os governos do PSDB não primam pela democracia (vide manifestações contra a privatização da Vale do Rio Doce). Toda e qualquer opinião professada contra seus interesses torna-se motivo para a repressão sem escrúpulos por parte de seus governos. O engraçado é que, nos dois exemplos, falamos de ícones da luta contra a ditadura e a repressão, citando Fernando Henrique Cardoso, exilado no Chile e depois na França e José Serra, ex-presidente da UNE combativa, também exilado pela ditadura militar. É de uma incoerência monstro que eles se portem de maneira tão vil contra a manifestação democrática e pacífica de movimentos sociais, ainda que, como já disse aqui, não fosse o caso de tamanho estardalhaço. O governo José Serra, e sua reitora-fantoche perderam total e completamente a razão agora de se portar contra o movimento dos companheiros da USP e não me surpreenderá caso os estudantes, servidores e, quem sabe, professores, endurecerem também.

Abaixo segue o link para acessar um texto enviado a mim pelo companheiro Samuel Ralize de Godoy, estudante de Ciências Sociais da USP, que contém o relato de um professor da universidade sobre como ocorreu a repressão:

http://cidadaniainclusiva.org/page_1239209220270.html

Por isso, repudio veementemente o governo José Serra. Já é hora de tal governo passar a exercer um regime democrático, a praticar a tolerância às opiniões políticas diversas às dele e colocar a Universidade de São Paulo no patamar que lhe é de direito, sem que isso acarrete em bombas ou pauladas.


Alexandre Branco Pereira.